O Tribunal de Justiça de São Paulo demitiu o juiz Senivaldo dos Reis Júnior por desvio de conduta em outubro de 2020. Ele foi acusado da prática de coaching e, mesmo advertido pela corregedoria do tribunal, teria se recusado a interromper a atividade, considerada irregular pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça).
Nos cinco anos anteriores, o TJ havia punido 37 magistrados por infrações disciplinares, todos com penas de advertência ou censura. A demissão e a aposentadoria compulsória são as penas mais severas previstas na Lei Orgânica da Magistratura — e, por isso mesmo, aplicadas de forma mais rara.
Na época, o jornalista Rodrigo Haidar achou no mínimo intrigante ver a conduta do magistrado punida de forma tão dura. Ao assistir, dias depois, ao julgamento, Haidar encontrou pistas que poderiam explicar o tratamento diferenciado conferido ao juiz.
Durante a sessão, um dos desembargadores ressaltou que, na primeira fase do concurso para a magistratura, Senivaldo fora aprovado nas vagas reservadas para cotistas. Isso, portanto, “tornaria mais grave a conduta dele”.
Na ocasião, também foi questionada a eficácia do método de estudos desenvolvido pelo juiz, chamado de coaching, já que ele mesmo não teria alcançado a pontuação mínima para a aprovação no concurso fora das vagas reservadas a cotistas.
Em maio de 2022, Senivaldo foi reintegrado à magistratura. O CNJ julgou a revisão disciplinar do juiz e derrubou a sanção do Tribunal de Justiça de São Paulo.
Nesta quarta-feira (16), Haidar lança pela editora Amanuense o livro “Do sopro um vendaval – A história da reparação de uma injustiça”. A obra foi escrita a partir de depoimentos de Senivaldo e do advogado dele, Saul Tourinho Leal.
O livro traz questionamentos feitos por Senivaldo a partir do voto do desembargador que mencionou o sistema de cotas durante o julgamento do TJ.
“O que ele quis, exatamente, dizer com isso? Aqueles que entram pelo sistema de cotas raciais nos concursos para a magistratura, se cometem uma infração, têm seus atos julgados com mais rigor? Porque eu sou ‘cotista’ tenho de me portar de forma diferente, mais cuidadosa, do que juízes que não são ‘cotistas’? Eu pertenço a uma outra categoria de juiz? Um juiz cotista não pode dar aulas ou elaborar métodos de estudo porque é menor do que juízes que não integraram políticas públicas de ação afirmativa?”
Senivaldo dos Reis Júnior, juiz do TJSP
Para o magistrado, o CNJ apresentou resposta a essas questões ao derrubar a decisão do TJ. Embora o Conselho não tenha declarado que o tribunal cometeu discriminação racial, em seu voto o ministro Vieira de Mello ressaltou o sistema discriminatório que recebe quem ingressa na magistratura por meio das cotas. “É a própria questão do racismo estrutural que vivemos que está em jogo”, afirmou.
Pela infração cometida por Senivaldo, conselheiros do CNJ sugeriram que a pena fosse substituída por censura ou advertência. No entanto, como ambas já estariam prescritas, nenhuma delas foi aplicada.
Fonte: https://noticias.uol.com.br/colunas/carolina-brigido/2023/08/16/livro-sobre-juiz-negro-expulso-da-magistratura-traz-reflexao-foi-racismo.htm