“Branco do Brasil” Um podcast por Lilian Schwarcz
Falar do Banco do Brasil e da associação com o tráfico de almas, é falar do Brasil que finalmente começa a conversar com seu passado. Acessem: https://open.spotify.com/episode/0EeJAicd4u3LxbudO2NSA1?si=pnXisqWERlKlsx36kUn3yQ
MPF envia ao Banco do Brasil mais estudos sobre a participação da instituição financeira no tráfico de africanos no século XIX
Remessa do material assinado por 14 pesquisadores é desdobramento de reunião realizada no último dia 27 com representantes do banco O Ministério Público Federal enviou, na última sexta-feira (3), ofício à presidente do Banco do Brasil, Tarciana Gomes Medeiros, encaminhando a pesquisa e a bibliografia produzidas pela equipe de historiadores que aponta a participação da instituição financeira no tráfico de pessoas escravizadas no século XIX. A remessa do material é mais um desdobramento do inquérito civil instaurado pelo MPF para apurar a responsabilidade do banco na escravidão e no tráfico de pessoas negras durante o período, e discutir medidas de reparação. No último dia 27 de outubro, procuradores da República, pesquisadores, representantes do banco e de órgãos como os Ministérios da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos e Cidadania participaram de reunião sobre o assunto na sede do MPF no Rio de Janeiro. No encontro, os historiadores apresentaram os estudos que mostram que o BB se capitalizou e se beneficiou do dinheiro produzido pelo contrabando de africanos e pelo financiamento dos negócios escravistas ao longo do século XIX. Ficou combinado também que o material seria enviado oficialmente à instituição financeira, com indicação bibliográfica de teses e artigos. Assinado por 14 professores e pesquisadores de universidades brasileiras e estrangeiras, o documento contrapõe o discurso de que não haveria comprovação para as teses apresentadas. “O material tem farta bibliografia, e os pesquisadores compilaram todos os fundamentos que subsidiaram a representação formulada ao MPF e que resultou na instauração do inquérito civil”, explica o procurador da República Julio Araujo, procurador regional dos direitos do cidadão no Rio de Janeiro e responsável pela apuração. Outros encaminhamentos – Na reunião do dia 27, também foi acordado prazo de 15 dias úteis para que o Banco do Brasil se manifeste sobre o reconhecimento da sua participação no tráfico de pessoas escravizadas e na escravidão no século XIX, bem como sobre um pedido de desculpas. No mesmo prazo, deverá informar sobre o interesse na construção de um plano de reparação em relação ao período. O banco deverá, ainda, apresentar medidas que pretende implementar no curto prazo em decorrência do eventual reconhecimento de seu papel na escravidão e no tráfico transatlântico. Também deverá se manifestar sobre o financiamento de pesquisas sobre esse passado, além de indicar as medidas que pretende acelerar para racializar a forma de pensar a sua própria estrutura. A cargo do MPF ficou a responsabilidade de promover audiências públicas para tratar de um possível plano de reparação a ser adotado pelo BB. A primeira delas já está marcada: vai acontecer no próximo dia 18/11, no Grêmio Recreativo Escola de Samba Portela, no Rio de Janeiro, com o tema “Consciência negra e reparação da escravidão”. Assessoria de Comunicação SocialProcuradoria da República no Rio de Janeirotwitter.com/MPF_PRRJAtendimento à imprensa: prrj-ascom@mpf.mp.br Canal no Telegram: https://t.me/mpfrj FONTE: https://www.mpf.mp.br/rj/sala-de-imprensa/noticias-rj/mpf-envia-ao-banco-do-brasil-mais-estudos-sobre-a-participacao-da-instituicao-financeira-no-trafico-de-africanos-no-seculo-xix/view
As desigualdades raciais no serviço público são tema de evento de análise de dados
Estão abertas as inscrições para o Datathon: desigualdades raciais no serviço público! O evento, promovido pela Enap em parceria com o Ministério da Igualdade Racial (MIR), reunirá pessoas de diversas formações e atuação profissional para um desafio colaborativo de dados. Serão cinco dias de imersão no Infogov, a plataforma de dados da Enap, para construção de soluções por meio de técnicas de análise dessas informações. Pode ser uma visão inovadora sobre política de gestão de pessoal, de comunicação, uma política social: o combate às desigualdades raciais no serviço público é o maior objetivo. Com 75 vagas disponíveis, as equipes deverão ser compostas por, pelo menos, metade de pessoas autoidentificadas negras (pretas ou pardas) e metade de mulheres (cis ou transgênero). O evento será presencial, em Brasília (DF), de 20 a 24 de novembro. A pré-inscrição é necessária, pois as vagas são limitadas. Os custos para deslocamento, alimentação e hospedagem serão de responsabilidade das pessoas participantes. Inscrições até 11 de novembro:bit.ly/datathon_desigualdadesraciais
Extrema direita fincou os dentes em Marcelle Decothé para tentar arrancar Anielle Franco do governo
Ataques à ex-assessora do Ministério da Igualdade Racial que ofendeu torcida do São Paulo querem abrir caminho para a derrocada de Anielle Franco. OCÊ DEVE TER VISTO O POST da então assessora de Assuntos Estratégicos do Ministério da Igualdade Racial, Marcella Decothé, chamando a torcida do São Paulo de “descendente de europeu safade”. O comentário indecoroso acabou com sua carreira no Executivo e lhe rendeu intensos ataques, incluindo acusações de que a jovem negra e periférica seria racista. O que talvez tenha te escapado é que o linchamento de Marcelle tinha um objetivo maior: abrir caminho para que sua chefe, a ministra Anielle Franco, fique mais vulnerável às investidas da extrema direita. A postagem de Marcelle foi feita no domingo e referia-se à final da Copa do Brasil, entre Flamengo e São Paulo. Dois dias depois, a assessora, que ocupava um cargo chave em uma das pastas mais necessárias para corrigir a injustiça histórica do racismo, foi exonerada. Há quem diga que o caso teve uma repercussão desproporcional. O que eu vejo é um alerta. Não há dúvidas sobre a infelicidade do post de Marcelle, que revela um descompasso pessoal com seu compromisso institucional. Mas sua exposição e os ataques sofridos são um aviso para as pessoas negras desse governo: elas não terão paz até que saiam da política. Como a sociedade brasileira vive se escondendo atrás de eufemismos, evitando enunciar os problemas e desigualdades que doem, “desproporcional” é uma ótima palavra para disfarçar o racismo nos ataques à assessora. A reação “desproporcional” é a vingança dos chamados outsiders de 2018 contra uma nova geração de outsiders, que chegou ao Executivo este ano. Os primeiros já são conhecidos: extremistas, violentos, antidireitos, anticultura, neoliberais, homens macho-alfa com porte de arma, que diziam detestar a política tradicional e amavam a liberdade de expressão irrestrita para ofenderem pobres, negros, gays, favelados e outros grupos que, na visão deles, eram “tudo vagabundos”. Essa gente invadiu o mundo da política pelo portal bolsonarista e represou seu ódio racista em 2020 e 2021, acuada pela pressão global dos levantes antirracistas que vieram no rastro do assassinato de George Floyd. Com a derrota de Bolsonaro, essa primeira leva de outsiders deixou o Executivo federal. Foi substituída, então, por uma nova geração de outsiders, que passou a ser governo com o esforço – muito mais simbólico do que efetivo – de Lula de dar algum grau de diversidade à sua gestão. Essas são as pessoas que que foram às ruas durante a pressão global antirracista. As que lotaram o funeral de Marielle Franco, enquanto os antigos outsiders quebravam placas com o nome da vereadora. As que tomaram as ruas dos Complexos do Alemão e da Maré, em apoio à candidatura de Lula. As pessoas gays e trans tão humilhadas, os cotistas tratados como peso para a sociedade, os indígenas, negros e negras acuados como “mimizentos”. Mas há uma diferença crucial entre esses dois grupos de outsiders. O primeiro estava muito mais conectado com a política tradicional que alegava desprezar, muito mais acolhido na estrutura de poder. A violência deles, inclusive, ainda é necessária para blindar os decanos da política conservadora. O segundo grupo é realmente bloqueado dos cargos decisórios. Assim, sobre Marcelle, não pairou uma repercussão desproporcional, mas uma máquina de moer pessoas como ela: jovem, negra, periférica, ativista de direitos humanos e desconhecida pela política, um corpo estranho nas entranhas do poder. Por isso, digo que isso tudo é muito menos sobre Marcelle, e mais sobre um projeto de destituir esses corpos estranhos. E o próximo alvo, ao que tudo indica, deve ser Anielle Franco. ‘Vamos para cima da Anielle’ A primeira investida da extrema direita e da mídia não foi contra Marcelle Decothé, mas sim contra Anielle Franco. Em um tweet já apagado, o deputado estadual Guto Zacarias, um homem negro do União Brasil paulista e do MBL, escreveu, se referindo a Marcelle Decothé: “A pelega já caiu, agora só falta quem colocou ela lá. Vamos pra cima da Anielle!”. Os ataques contra a ministra da Igualdade Racial se intensificaram em 24 de setembro, quando ela usou um avião da Força Aérea Brasileira, a FAB, para ir a São Paulo assinar o protocolo de intenção de combate ao racismo no futebol. Se ela devia ou não ter evitado os custos do uso de uma aeronave da FAB pegando um voo comercial é um debate que pode ser feito. Mas não houve qualquer ilegalidade: Anielle é uma ministra de estado e participava de um ato institucional, portanto, tinha direito ao voo. O Estadão, contudo, fez diversas reportagens (1, 2, 3, 4) sobre o tema, insistindo numa indução de que Anielle fez e segue fazendo algo errado e não deve se manter no cargo. Em 27 de setembro, o jornalista José Roberto Guzzo afirmou que “Anielle Franco é um desastre do começo ao fim”. No rastro do jornal, muitos veículos de imprensa, do ecossistema da extrema direita à grande mídia, repercutiram o caso com títulos que não enfatizavam a missão institucional do ministério, mas sim a final da Copa do Brasil. Quem não leu mais que os títulos está convicto de que Anielle prevaricou ao usar o avião da FAB para dar um rolê em São Paulo. Essa espera de um erro de gravidade questionável para dar início a um ataque sistemático contra pessoas negras valeu para Margareth Menezes. A ministra da Cultura foi acusada de “inexperiente” em suas primeiras semanas no comando da pasta, depois de uma investigação sobre supostas dívidas de sua organização na Bahia. Vale também para o ministro dos Direitos Humanos Silvio Almeida, que precisou ser fortemente blindado pela sociedade civil, e especialmente pela comunidade negra, para que não fosse rifado pelos acordos entre PT e o Centrão. De maneira dissimulada e desonesta, praticamente todos os textos sobre o caso de Anielle Franco fizeram questão de ressaltar que, ao contrário dela, Almeida foi ao mesmo evento em avião comercial. Faltou dar ênfase ao fato de que a pasta de Silvio Almeida não estava envolvida no ato, mas apenas as de Esportes e de Igualdade
Todo mundo tem um sonho, Lula: o nosso é uma negra no STF…
Uma mulher. Sim, uma dentro do total de 108,7 milhões das que vivem, aproximadamente, no nosso país (a maioria). Sim, o meu país, nossa nação, o lugar em que você é presidente e tem nas mãos, muito em breve, uma decisão: a de escolher quem entrará para o Supremo Tribunal Federal (STF). É que todo mundo tem um sonho, Lula. E o nosso? Que essa mulher seja negra, e não, isso não é o que seria chamado de ‘racismo reverso’. É simplesmente para acompanhar os progressos – ainda que parcos – que vivemos ao longo dos anos, e privilegiar um lugar que há muito precisa ser ressignificado e transformado. O último negro, você bem sabe, foi aquele que indicou: o ex-ministro Joaquim Barbosa. De lá pra cá, 20 anos nos separam desse marco histórico. Barbosa foi o terceiro preto da história a fazer parte da Corte, depois de Pedro Augusto Carneiro Lessa, que ocupou o cargo entre 1907 e 1921, e Hermenegildo de Barros entre 1919 e 1937. Veja só, quanto tempo levou para cada um deles e também o pouco espaço que permaneceram em exercício. Joaquim, o último, também acredita que você agora pode mudar o jogo, mais uma vez. “Lula cometerá um grande erro se não escolher um ministro ou uma ministra negra. Seria um contrassenso, 20 anos depois, quando houve avanço nas políticas de igualdade racial iniciadas no primeiro governo Lula, e que também levaram a iniciativas privadas, que este governo não nomeie pelo menos um negro”, disse em maio, durante uma entrevista ao jornal Valor Econômico. Imagine só, neste momento, quantas crianças e jovens negras poderiam se ver representadas com uma ministra no STF? Além de cantoras, atrizes, escritoras, advogadas, médicas, deputadas, jogadoras…ministras do Supremo! Acesse: https://www.uol.com.br/ecoa/colunas/eduardo-carvalho/2023/09/14/todo-mundo-tem-um-sonho-lula-o-nosso-e-uma-negra-no-stf.htm
Racismo é o principal fator gerador de desigualdades na opinião da população brasileira, revela pesquisa do Instituto Peregum e do Projeto SETA
Quarenta e quatro por cento da população brasileira considera raça, cor e etnia como o principal fator gerador de desigualdades no país, e mais da metade (51%) já presenciou alguma situação de racismo. Os dados são da pesquisa inédita “Percepções sobre o racismo no Brasil”, realizada pelo IPEC (Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica). O estudo foi encomendado pelo Instituto de Referência Negra Peregum e pelo Projeto SETA (Sistema de Educação por uma Transformação Antirracista), uma aliança inovadora de organizações das sociedades civil da qual a ActionAid faz parte. Foram ouvidas 2 mil pessoas de 16 anos ou mais, a fim de entender a opinião da população brasileira relativa à percepção sobre racismo. O intervalo de confiabilidade da pesquisa é de 95% e a margem de erro é de dois pontos percentuais para mais ou para menos. O estudo teve abrangência nacional, foi realizado em 127 municípios brasileiros das cinco regiões do país durante o mês de abril de 2023. Violência racial é percebida pela maioria da população brasileira O levantamento aponta que 81% das pessoas participantes concordam que o Brasil é um país racista, sendo que 60% concordam totalmente e 21% concordam em parte. Os índices de concordância com relação a esse tema se mantêm expressivamente altos independentemente de gênero, faixa etária, escolaridade, região do país, porte da cidade, renda familiar, religião, orientação sexual e orientação política. Além disso, 96% da população declara que as pessoas pretas são as que mais sofrem racismo e 88% concordam que esse grupo populacional é mais criminalizado do que as pessoas brancas, sendo que 76% concordam totalmente e 12% concordam em parte. No que diz respeito à abordagem policial, 79% concordam que ela é baseada na cor da pele, tipo de cabelo e tipo de vestimenta, sendo 63% das pessoas ouvidas concordam totalmente e 16% em parte. Ainda nesse contexto, 84% concordam que pessoas brancas e negras são tratadas de forma diferente pela polícia, sendo 71% concordam totalmente e 13% em parte. Ana Paula Brandão, diretora programática da ActionAid e gestora do projeto SETA, analisa: “Esses dados escancaram o racismo no Brasil, e demonstram que a população em geral reconhece o racismo em uma das suas faces mais cruéis: a violência institucional, no caso específico, a policial. De forma prática, ela é reflexo do racismo que estrutura nossas instituições, da maneira como naturalizamos a violência contra as pessoas negras e as pessoas moradoras das periferias – cuja maioria é negra. Trazendo esse olhar para o campo da educação, quando o jovem não se reconhece no ambiente escolar, fica ainda mais suscetível à evasão e às abordagens discriminatórias”. Para Vanessa Nascimento, diretora executiva do Instituto de Referência Negra Peregum, a falta de informações precisas e atualizadas de dados que norteiam as políticas públicas ainda é um problema crônico no Brasil: “Nesse contexto, uma pesquisa como a que estamos lançando é de fundamental importância prática e simbólica. Os dados aqui reunidos certamente apoiarão as ações de incidência política, subsidiarão as articulações da sociedade entre seus pares e com o poder público, como para ações específicas para mulheres negras”. Racismo sistêmico: violência verbal é identificada como a principal forma de manifestação do racismo A pesquisa revela ainda um paradoxo na forma como a população brasileira reconhece as formas de materialização do racismo, seguindo a lógica já conhecida de afirmação da existência desse fenômeno concomitante à negação da sua existência na própria prática ou nos espaços privados e mais íntimos de suas vidas. Por exemplo, se 81% concordam totalmente ou em parte que o Brasil é um país racista, apenas 11% afirmam que têm atitudes ou práticas racistas, 10% que trabalham em instituições racistas, 13% que estudam em instituições educacionais racistas, 12% que sua família é racista, 36% que convivem com pessoas que têm atitudes racistas e 46% que convivem com pessoas que sofrem racismo. Isso significa que a população brasileira identifica que o país é racista, mas tem dificuldade de nomear o racismo em suas experiências pessoais. De acordo com Jaqueline Santos, consultora de monitoramento e avaliação do Projeto SETA, relatora da pesquisa e antropóloga, a negação do racismo no Brasil e sua respectiva invisibilidade se constituiu como um obstáculo para o reconhecimento público e à tomada de decisão para superar as desigualdades sofridas por pessoas pretas, pardas, indígenas e quilombolas. No entanto, essa pesquisa revela que as lutas dos movimentos negros, indígenas e antirracistas surtiram efeitos nas últimas décadas, porque a população brasileira reconhece cada vez mais o racismo como um problema, apesar das limitações para compreender suas dimensões institucionais, estruturais e sistêmicas e para a visão crítica em seu espaços privados de convivência. “Por um lado existe uma dificuldade de identificar o racismo estrutural e, por outro lado, a dificuldade de identificar o racismo no universo privado pela pessoa respondente, ou seja, no cotidiano das escolas, do trabalho, das famílias e outros espaços de convivência. É possível relacionar o cenário com o baixo percentual de pessoas que aprenderam sobre o racismo nas escolas de forma adequada”. Racismo em espaços destinados à formação As instituições de ensino são idealizadas como espaços onde não há lugar para atos discriminatórios, no entanto, de acordo com o levantamento, 38% das pessoas que afirmam já ter sofrido racismo apontam a escola/faculdade/universidade como locais onde essa violência ocorreu. Mulheres pretas são as que mais percebem que raça/cor é o principal motivador de violência nas escolas (63%). Nos espaços da educação básica, as pessoas pretas foram as que mais vivenciaram agressão física, 29%. Para 64% das pessoas jovens entre 16 e 24 anos, o ambiente educacional é onde mais sofrem racismo. A lei federal 10.639/2003 que, neste ano completa 20 anos, tornou obrigatório o ensino de “história e cultura afro-brasileira” dentro dos componentes curriculares que já fazem parte da grade-escolar dos ensinos fundamental e médio. Na prática, porém, a realidade é outra, apenas 46% aprenderam história e cultura afro-brasileira, 37% sobre racismo, 25% história e cultura africana. A abordagem sobre história e cultura afro-brasileira na escola para aqueles que aprenderam essa temática foi considerada muito adequada por 42% dos respondentes, pouco
Debate aponta necessidade de punições mais severas contra racismo no futebol
Punições mais rígidas, programa de educação desde as categorias de base e políticas afirmativas envolvendo clubes, federações, patrocinadores e poderes públicos foram algumas das medidas de combate ao racismo no futebol defendidas por senadores e debatedores em audiência pública da Comissão de Esporte (Cesp). O debate, nesta quarta-feira (13), teve participação da ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, e do presidente do Superior Tribunal de Justiça Desportiva do Futebol (STJD), José Perdiz de Jesus, além de representantes do Ministério do Esporte e da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), entre outras entidades. Os participantes alertaram para o crescimento de denúncias de discriminação dentro e fora do campo nos últimos anos. Segundo relatório do Observatório da Discriminação Racial no Futebol, em 2014 a entidade monitorou 25 denúncias de racismo no futebol. Em 2022, foram 64 casos. Já neste ano, até agora, esse número chegou a 90. Para o presidente da comissão, senador Romário (PL-RJ), o racismo no futebol ainda é uma chaga da qual o mundo não se livrou. Ele lembrou que, durante sua carreira como jogador, poucas vezes presenciou pessoas negras em cargos de comando e gestão como técnicos, diretores ou presidentes de federações esportivas. Na sua avaliação, é preciso enfrentar a discriminação racial no futebol enxergando que esse é um problema estrutural, que acaba refletindo no comportamento da torcida. — No futebol brasileiro, a rivalidade clubística costuma criar um mundo à parte onde tudo é permitido ou que, no calor da disput,a ofensas e humilhações de natureza raciais são permitidas ou aceitas. Não podem, são condutas criminosas, tipificadas na legislação. E o futebol, como espelho da sociedade, deve ser o primeiro lugar a não admitir qualquer tipo de preconceito ou segregação. Não tolerar a intolerância. Não aceitar o inaceitável. Prisão de torcedores Na opinião do senador Jorge Kajuru (PSB-GO), autor do requerimento para promoção da audiência pública, o Brasil precisa avançar no sentido de aplicar punições mais rigorosas contra quem pratica esse tipo de crime no futebol, por ofensas ou atitudes tanto de torcedores quanto de gestores. — Essa história de torcedor que comete crime e é apenas punido no dia do jogo, fica 90 minutos numa delegacia, não na cela, numa sala, e depois vai embora para casa. Na Inglaterra não, o sujeito fica preso. Então ele tem que ficar preso dois dias na cela, não é em sala. Porque só o sujeito ficando preso pode aprender a mudar e saber que a punição é rigorosa realmente. Nesse sentido, Romário questionou o presidente do STJD se ele considerava o atual regulamento da entidade e a legislação vigentes suficientes para que as penalidades sejam proporcionais aos crimes cometidos. Para o presidente do tribunal, que é uma entidade autônoma e independente, a atual legislação para punir o criminoso na Justiça comum já avançou muito e, na sua visão, consegue atender à exigência de uma penalidade mais severa. Já em relação às competências do Superior Tribunal de Justiça Desportiva do Futebol, José Perdiz de Jesus considera que as legislações e regulamentos poderiam ser aprimorados. Ele classificou o Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD) defasado. — É possível sim, penso eu, aperfeiçoar um pouco mais essa legislação. O que tem ocorrido? Nós temos uma multa pecuniária e, para os clubes, acaba que na verdade o STJD não consegue alcançar especificamente o torcedor. Consegue de que maneira? A gente proíbe a entrada do torcedor identificado. O STJD diz ao clube mandante: este torcedor Fulano da Silva não pode entrar durante 720 dias ou durante 1.320 dias no estádio, daí essa competência [de fiscalizar a não entrada do torcedor] é do clube mandante. Atualmente o Código Brasileiro de Justiça Desportiva prevê multa ao torcedor que cometer crime de racismo nas praças esportivas que vai de R$ 100 a R$ 100 mil. A pena pode se estender com a probabilidade da perda do mando de campo para o time do torcedor criminoso — a mais eficiente e educativa das penalidades, para Perdiz de Jesus. Ele reconheceu que, em muitas situações, é difícil manter o torcedor banido afastado dos estádios por falta de fiscalização. — Jogar sem torcedores é uma pena que eu reputo a mais grave para os clubes, para essas questões. Por quê? Ela tira o torcedor, que é significativo para a partida, ela tira a arrecadação dos bares ali dentro dos estádios, ela retira a venda de produtos oficiais dos clubes, dos jogadores, então são questões significativas. Programa governamental A ministra Anielle Franco, que também foi atleta, explicou que os Ministérios do Esporte, da Igualdade Racial e da Justiça fizeram parte de um grupo de trabalho e lançaram um plano de ação do governo federal para o combate ao racismo no esporte, com 19 ações efetivas. De acordo com ela, o programa pensou em políticas afirmativas a serem aplicadas dentro e fora do campo, mas que também possam auxiliar na reformulação da estrutura social que engloba o mundo esportivo, como o futebol. As iniciativas de conscientização, educação e parcerias com entidades visam atingir desde as competições de base até aquelas de elite, disse a ministra. Ela ressaltou que, para se avançar nesse combate à discriminação racial no esporte, é preciso transversalizar as pautas. — A gente não pode fazer com que crianças que se inspiram no Romário, em mim e em tantas outras pessoas por aí que ainda hoje são competitivas deixem de praticar por conta de um racismo que não é somente estrutural no nosso país, mas é um racismo que assola na nossa sociedade de várias maneiras. Por isso o caso do Vini Jr. é emblemático — citou a ministra, referindo-se aos ataques racistas sofridos pelo atacante brasileiro que joga no Real Madrid. Os insultos a Vinícius Júnior aconteceram em jogo do Campeonato Espanhol, conhecido como La Liga, numa partida contra o Valencia. Entre as ações do programa, estão: estruturação de dados, estudos e diagnóstico; interlocução com as entidades esportivas para a implementação de processos formativos; campanhas educativas continuadas e recorrentes; diálogo com a Justiça Desportiva; e debater o tema dentro
Em sete anos, apenas 3,5% dos juízes tomaram posse via cotas raciais
Entre os servidores, a proporção é de 6% de contratados que entraram por cotas desde 2016. Além da lei que trata do tema, resolução de 2015 do CNJ prevê que 20% dos magistrados que ingressem no Judiciário sejam negros A Lei de Cotas não tem se mostrado suficiente para reduzir a desigualdade racial na contratação de magistrados e magistradas para o Judiciário brasileiro, revelou o último Diagnóstico Étnico-Racial do Poder Judiciário, elaborado pelo próprio Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Apenas 3,5% dos juízes que tomaram posse após 2016 entraram por cotas raciais, instituídas pela Resolução n. 203, de 23 de junho de 2015. Tanto a resolução quanto a lei 12.990/2014 prevêem que 20% das vagas oferecidas da administração pública sejam reservadas a pessoas negras (grupo racial calculado a partir da soma dos autodeclarados pretos e pardos). No âmbito dos servidores públicos, a proporção de negros e pardos que ingressaram no Judiciário nos últimos sete anos é de 6%, ainda longe da meta. A Lei de Cotas e a resolução do CNJ (está última válida até 2024) dizem também que “a reserva de vagas será aplicada sempre que o número de vagas oferecidas no concurso público for igual ou superior a três”. Ou seja, concursos com até duas vagas não têm cotas raciais. Neste cenário, pessoas brancas continuam a ser maioria da Justiça brasileira, com 83,8% do quadro de magistrados. Enquanto isso, apenas 12,8% dos juízes se autodeclararam pardos e 1,7% se autodeclararam pretos. A maioria dos servidores também é formada por pessoas brancas (68,3%). São 24,5% de pardas e 4,6% de pretas. Entre os estagiários, a desigualdade é um pouco menor: 56,9% de brancos, 30,7% de pardos e 10,3% de pretos. O diagnóstico é um relatório inédito e foi feito a partir de dados registros administrativos do sistema Módulo de Produtividade Mensal (MPM), usado pelos tribunais para o envio mensal de informações de suas unidades judiciárias, de seus magistrados e de seu quadro de servidores e auxiliares. Ausência de dados Um dos grandes desafios na obtenção de dados raciais no Brasil é a falta de declaração dos dados. E essa ausência de informação afeta a avaliação efetiva sobre a política de cotas. Há órgãos com mais informação e órgãos com menos informação sobre raça/cor dos(as) magistrados(as). O Tribunal de Justiça de Alagoas e o Tribunal de Justiça do Acre são os que não tinham dados no MPM. Os demais casos com 100% de ausência (TRT-TO,TRE-RS, TRE-RJ, TRE-PB, TJAM e TJRS) de informação enviaram dados para o MPM, mas nada sobre raça/cor. A falta de informação no grupo de pessoas servidoras é menor: somente o Tribunal de Justiça Militar do Rio Grande do Sul não há quaisquer dados de raça/cor. Proporção de brancos é maior em cargos altos Quando se analisa homens e mulheres separadamente, as distribuições por raça e cor são muito parecidas. O que se destaca é o fato de que há mais magistrados negros entre os cargos de juízes titulares e juízes substitutos. Melhores e piores índices Os dados revelam que no Tribunal de Justiça do Estado do Amapá 61% dos magistrados são negros, mais do que a população brasileira negra (56,1%), mas menos que a população negra no estado, que representa mais de 70% do total segundo a última informação disponível. Na Justiça do Trabalho, o maior percentual é verificado no Tribunal Regional do Trabalho da 20ª Região (Sergipe), com 47,1% de juízes e juízas negros. O menor percentual de magistrados negros está no Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT4), com 1,9%. Na Justiça Estadual, o menor percentual está no Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso (TJMT), com 2,2%. Fonte:https://almapreta.com.br/sessao/cotidiano/sete-anos-juizes-posse-cotas-raciais
Ministério da Igualdade Racial tem previsão de receber R$ 74 milhões a mais de orçamento em 2024
Apesar do aumento de 44%, pasta ainda receberia o menor valor entre os ministérios federais Na última quinta-feira (1º), o governo federal enviou à Câmara Legislativa o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2024, que prevê crescimento de 1,7% nas despesas totais, com R$ 163,3 milhões destinados ao Ministério da Igualdade Racial (MIR). Isso representa um aumento de 44% em relação a 2023, cujo orçamento é R$ 91 milhões. e aprovado, este número representará, pela segunda vez seguida, o maior investimento realizado pelo Governo Federal com destinação ao combate ao racismo em toda a história do Brasil. Investimentos transversais em igualdade racial aumentam o peso da pasta Esse valor faz parte da Agenda Transversal e Multissetorial de Igualdade Racial, que inclui planejamento orçamentário para um conjunto de políticas públicas voltadas para o enfrentamento ao racismo e a garantia de direitos para pessoas negras, quilombolas, comunidades de matriz africana, povos de terreiros e populações ciganas. Para isso, estão previstos R$ 137,5 milhões do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar para identificação, reconhecimento e titulação de territórios quilombolas; R$ 17,2 milhões do Ministério da Igualdade Racial exclusivos para fortalecimento e desenvolvimento de políticas para o enfrentamento ao racismo; e R$ 6,9 milhões do Ministério da Cultura para implantação, instalação e ampliação de espaços e equipamentos culturais. Próximos passos Após o envio ao Congresso Nacional, cabe à Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização avaliar o planejamento, que pode receber emendas de todos os deputados. Com a aprovação, o texto deve ser devolvido para sanção da Presidência da República. Fonte: https://almapreta.com.br/sessao/cotidiano/ministerio-da-igualdade-racial-tem-previsao-de-receber-r-74-milhoes-a-mais-de-orcamento-em-2024
“Se eu não tivesse estudado, eu seria mais uma Madalena”
O parentesco como atualizador da falsa abolição brasileira Resumo O presente trabalho tem por objetivo traçar uma reflexão inicial sobre uma situação muito comum, mas pouco analisada com maior densidade na literatura das ciências sociais brasileiras: o caso de meninas-moças negras e pobres que têm a sua infância e juventude roubada para trabalhar na casa de padrinhos e madrinhas, estes frequentemente pertencentes às elites locais. Para isso, traço a história de vida de Val, que aos nove anos foi morar com a sua madrinha e, a partir dela, reflito sobre como essa estratégia de parentesco a partir do compadrio atua como uma atualização da dominação racial no período pós-abolição brasileiro. Introdução Quando criança, eu fui babá de filhinho de madame, você sabe que a criança negra começa a trabalhar muito cedo. Teve um diretor do Flamengo que queria que eu fosse pra casa dele ser uma empregadinha, daquelas que viram cria da casa. Eu reagi muito contra isso e então o pessoal terminou me trazendo de volta pra casa (GONZALEZ, 2020, p. 19). Em uma noite de domingo de dezembro de 2020,foi transmitida no programa Fantástico, da Rede Globo, uma reportagem que denunciava o caso de Madalena Gordiano, uma mulher negra de pele retinta de então 46 anos que desde os oito anos de idade vivia em situação análoga à escravidão pela tradicional família mineira Milagres Rigueira. Madalena era privada de contato com pessoas que não viviam na casa, do acesso à saúde adequada, do salário que deveria ser pago a ela, de direitos trabalhistas e da pensão referente ao seu matrimônio com Marino Lopes, tio da esposa de Dalton César, que por sua vez é filho de Maria das Graças Milagres Rigueira, a quem Madalena foi deixada por sua mãe biológica, que possuía muitos filhos e não tinha condições de criá-los, na promessa de que Maria das Graças adotasse formalmente a então menina. No seio da tradicional família, Madalena foi “herdada” de mãe para filho, como se ela fosse um bem que é passado de uma pessoa à outra, sem direito a desejos, vida própria e à dignidade humana. A algumas centenas de quilômetros dali, em uma cidade goiana no entorno do Distrito Federal, Val assistia à reportagem-denúncia com lágrimas nos olhos. Ao ver a história de Madalena ser narrada, percebeu que tinha um pouquinho da sua história na tela daquela televisão. Ela imediatamente pegou seu celular, mandou uma mensagem para seu filho mais novo e disse “se eu não tivesse estudado, eu seria mais uma Madalena”. Talvez aquele momento foi o gatilho para que ela repensasse toda a sua vida e seu lugar no mundo. Como o/a leitor/a já deve perceber, o presente relato etnográfico tem por objetivo apresentar a história de vida de Val, uma mulher negra, décima filha que sobreviveu para além do primeiro ano de vida de um casal camponês da zona rural de Formosa, cidade goiana que atualmente conta com um pouco mais do que 120 mil habitantes. A partir da vida de Val, que também conta a história de tantas outras meninas negras brasileiras que tiveram suas infâncias ocupadas por panelas, roupas para lavar e crianças para cuidar, viso discorrer sobre como o racismo brasileiro se atualiza a partir dos laços de parentesco, na casa e no cotidiano dessas mulheres negras, interseccionando marcadores de gênero, raça, classe e geração (COLLINS; BILGE, 2021; GONZÁLEZ, 2020). Longe de pretender trazer grandes respostas para essa questão que ao mesmo tempo é tão central na formação de algo que poderemos chamar de parentesco brasileiro e tão negligenciada nos tradicionais circuitos das ciências sociais nacional, trago aqui olhares e propostas analíticas primeiras para uma questão que me persegue desde os meus primeiros dias de vida. Para isso, discorro em um primeiro momento sobre a história de vida da minha interlocutora principal a partir de situações e trechos da sua trajetória contados a mim ao decorrer dos últimos anos e, na sequência, traço algumas reflexões que me surgiram a partir das suas palavras A trajetória de Val Em 1979, quando Val tinha apenas 9 anos, seu pai faleceu em decorrência de um acidente no trato do gado de sua roça. Sua mãe, Maria, mãe de dez filhos que sobreviveram à gestação e aos difíceis primeiros meses de vida, sentiu-se sozinha com a partida do seu companheiro de tantos anos e viu-se sem condições de criar com ela todas aquelas crianças e adolescentes, uma vez que ela era uma mulher analfabeta e que, para além do trabalho da roça, só via como alternativa o trabalho doméstico para outras famílias. Assim, mudou-se para a casa que ela e seu marido haviam construído no que então era a periferia de Formosa, pois ali encontraria trabalho mais facilmente. Com os filhos homens1crescidos e quase todos já trabalhando, Dona Maria precisava lançar mão de alguma estratégia para fazer com que as suas filhas mais moças prosperassem, tendo em vista o cenário de sua mais velha já ter engravidado sem se casar, o que para época era um problema sério. Para mudar o destino das duas mais novas, ela optou por pedir às suas respectivas madrinhas para que elas pudessem ir morar com elas em Brasília, a jovem capital federal inaugurada no coração do Brasil. Como de costume no mundo campesino brasileiro, as madrinhas das filhas mais jovens de Dona Maria eram duas irmãs, que por sua vez eram filhas de um renomado casal da elite político-econômica formosense. O pai de Dona Maria, Seu Antônio, havia chegado em Formosa há algumas boas décadas antes junto ao pai de suas comadres, Seu Ribeiro. Contudo, o primeiro era pobre e o segundo tinha a herança que importava: o sobrenome Ribeiro –que por sinal era o mesmo de sua esposa, que era sua prima de primeiro grau e herdeira de uma vastidão de terras no cerrado goiano. Seu Ramiro, seus filhos e genros, como o pai de Val, trabalharam em diferentes momentos de vida para Seu Ribeiro. Por isso, ambas as famílias foram se